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Quando o "suposto" integra o noticiário


Por Elizabeth Menezes

07/05/2024 19h39 — em
Ombudsman



José Henrique Mariante, ombudsman da Folha de S.Paulo, na coluna “O suposto equilíbrio da Folha”, em 20 de abril deste ano, chamou a atenção para os relatos sobre crimes e o uso, “por vezes exagerados” do termo “suposto”. “Todo cuidado é pouco na hora de relatar crimes, pelo simples fato de que, passado o devido julgamento, pode ser que eles não tenham acontecido. Quer dizer, a Justiça ou o júri podem concluir que não existiram ou que os acusados não foram os responsáveis. No jornalismo, é complicado desdizer as coisas. Prudência então. Efeito colateral disso é o uso por vezes exagerado no texto jornalístico de adjetivos como ´suposto´", escreveu. “A suposta agressão, o suposto desvio, o suposto estuprador. Cada caso é um caso, mas frequentemente a culpa acaba relativizada na prática por uma questão semântica: além de indicar algo admitido a priori, por conjectura ou lógica, suposto também carrega o significado de imaginado, inverídico”.

Mariante disse mais: “A boa edição contorna o julgamento antecipado sem, no entanto, brigar com o óbvio. Em um caso de violência doméstica, por exemplo, seria correto usar suposto agressor, mas as circunstâncias podem tornar a descrição ingênua ou até descabida”. Mariante cita o caso envolvendo Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes. “Na cobertura dos entreveros entre Elon Musk e Alexandre de Moraes, na última semana, a Folha escreveu que os inquéritos do STF ´apuram disseminação de fake news e suposta tentativa de golpe de Estado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados´". Ao que indagou uma leitora: “Suposta?”. Na defesa do seu argumento, o ombudsman afirma: “Ainda que insistam na discussão, é preciso ser bolsonarista para asseverar que os envolvidos não trabalharam por um golpe no Brasil nos estertores do governo anterior. Na frase, o ´apuram´ já dispensaria o "suposto", tanto que o adjetivo não aparece antes de "disseminação de fake news". Quem nega o golpe nega tudo”.

ALÉM DO “SUPOSTO”, TEM O “SUSPEITO”

Os termos “suposto” e “suspeito” andam juntos, conforme também pode ser verificado nos textos da área policial. Mesmo quando, na própria matéria é explicado que uma prisão, por exemplo, aconteceu em flagrante ou depois de investigação e apresentação de provas. “Policiais militares do DF são presos por suposta tortura a soldado em curso de treinamento”, é manchete de uma notícia onde aparece a vítima, com nome e sobrenome, além de marcas da violência sofrida e internação em hospital. Os termos têm a mesma serventia para notícias nacionais e estrangeiras. Na última segunda-feira 6, este portal publicou a matéria “PMS e guarda municipal são presos por roubo a casa e extorsão de morador em Manaus”.

No texto, os detalhes sobre a prisão dos militares e do guarda municipal (nome completo dos três), denunciados pelo morador. Além da apreensão de material encontrado com eles (munições, colete balístico, simulacro de pistola, colete balístico com emblema da Polícia Civil e outros): tudo mostrado na matéria. Mesmo assim, são chamados de “suspeitos”. “Os suspeitos foram encaminhados ao 14º DIP. Em nota, a Polícia Militar do Amazonas informou que abriu procedimento administrativo para a apurar o ocorrido e que ´não compactua com ações ilícitas de seus agentes´”, lê-se no final da mencionada matéria. No mesmo dia, o portal publicou: “Preso segundo suspeito de roubar Mercadinho na Compensa”. 

VALE  UMA  “FOTO SORRIDENTE”

Tratava de um assalto acontecido em janeiro deste ano, realizado por “um grupo criminoso” e o nome do preso consta no texto. Ao relembrar o caso, vem a descrição: “Durante o assalto, estima-se que os suspeitos levaram cerca de R$ 4 mil em caixa do estabelecimento, além de celulares pertencentes aos funcionários”.  Sobre relatos policiais, ainda existe o fato de que há casos sem citação do nome de quem cometeu crime, enquanto outros “suspeitos” têm não apenas os nomes, mas também o retrato publicado. Certa mulher que usou uma faca para ferir a própria mãe, presa em flagrante, não teve o nome revelado. Mas um que é procurado por “tentativa de homicídio” tem a foto divulgada, exibindo até um sorriso. 


Se a opção pelo uso de “suposto” ou “suspeito” é um recurso, digamos, para mostrar isenção em assuntos criminais, uma preocupação deveria ser constante nos textos: objetividade e nenhum deboche. Dizer que “mais um presunto foi encontrado”, ao falar de um homem assassinado, ou “família procura homem que sumiu sem deixar rastro”, só demonstra irresponsabilidade e desrespeito. Em certo tempo, a coluna alertou este portal, diante de certas manchetes nesse nível.

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Elizabeth Menezes, jornalista formada pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas), repórter em jornais de Manaus, a exemplo de A Notícia, A Crítica e Amazonas em Tempo. Também trabalhou na assessoria de Comunicação da Assembleia Legislativa.

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